quinta-feira, 29 de maio de 2014

ÁS DE PAUS: Germinal

 Desconheço a autoria ou qual tenha sido a finalidade original dessa imagem mas sempre que a reencontro em alguma pagina da internet lembra-me tudo o que a ideia de Vida pode conter. 
Até mesmo aquele paradoxo sobre o que veio primeiro, o ovo ou a galinha, com que toda criança se diverte, retorna, desta vez mais sério e instigante. 

Planeta terra, azul como na descrição do astronauta, encerra em suas entranhas o fogo, em forma de magma. É a vida em ebulição, incandescente em sua força criativa e transformadora. É o fogo, o sopro da Criação, a materialização do poder gerador, a concretização da vontade, o calor que nutre, acolhe, abriga, cura e protege. 

Esse ovo espacial, cuja serena casca, recortada por mares e continentes, não revela o âmago vivo, o coração pulsante de suas entranhas. Mantém-se girando em órbitas que os homens da ciência qualificam e quantificam baseados em... em que coordenadas espaciais, dentro do infinito, podem os homens se basearem? Neste momento em que digito este texto, onde exatamente me encontro? E em que posição, se levarmos em consideração todo o espaço que nos abriga, e não apenas usarmos como referencias estes pequenos corpos do nosso sistema, uma galaxiazinha de nada flutuando na imensidão escura do Universo?

Essa foto, propositalmente construída, lembra um embrião, uma vida que acontece numa mágica que só mesmo os deuses poderiam ter imaginado. Alquimista-mór, o Criador nos fez assim, ovo e galinha ao mesmo tempo, criaturas e criadores, invólucros e essência. 


Quando nos deparamos, numa leitura de tarot, com a carta de um Ás, e em especial o ÁS DE PAUS, imediatamente a associo a estas mesmas ideias: fonte geradora de novas energias, o momento da criação, quando uma ideia começa a ser materializada. Chocadeira de ideias, emoções, desejos, vontades, inspiração, o ÀS DE PAUS simboliza a matéria prima que constitui os sonhos. A inspiração que motiva a imaginação, o raciocínio, a emoção e o físico a produzirem algo que antes era apenas uma idéia. É a fertilidade, o nosso potencial de gerarmos, gestarmos e parirmos tudo o que imaginamos, tudo o que só existe como uma ideia, pequena ou grande, dentro das nossas mentes.
 

Vivenciar e meditar sobre a energia contida nos Ases, especialmente no ÁS DE PAUS, é reconhecer-se funcional, potente, consciente, ativo, participando, como autor e como plateia, dessa mágica chamada Vida.

terça-feira, 27 de maio de 2014

6 DE ESPADAS: Travessia


Quantas vezes na vida prometemos a nós mesmos que nunca mais faremos isso ou aquilo, que não somos mais a mesma pessoa de antigamente, que superamos todos os problemas que nos faziam sofrer, que mudamos radicalmente nossa maneira de pensar tendo deixado para trás uma série de atitudes, preconceitos, crenças ou ilusões e que, daqui para frente tudo vai ser diferente? 
E quantas vezes essa promessa se cumpriu, realmente?

A foto acima, com esse carro dourado sobre o qual a escultura de um enorme Cristo crucificado está firmemente amarrada, é tão surreal quanto inspiradora, e não deixa de se assemelhar em conteúdo simbólico, associativo e imagético àquela que estampa o 6 DE ESPADAS.

 No Tarot, a carta mais positiva do naipe de Espadas, além do Ás, é a de número 6. Costumeiramente interpretada como sinal de uma mudança positiva, um abandonar de problemas e dificuldades existentes a nível mental, e a transição para uma nova forma de pensar a vida. É, enfim, um alento e um sopro de alguma esperança num naipe cujas cartas quase sempre prenunciam situações de conflito.

Muitas vezes na vida nós mudamos. Seja de casa, de trabalho, de relacionamento, de país, de religião, de interesses, de grupos de amigos, na vã esperança de, assim procedendo, estarmos nos transformando e modificando situações que nos incomodam. Freqüentemente somos tentados a nos iludir querendo acreditar que as transformações, que sabemos necessárias, ocorrem de fora para dentro. Fica mais fácil assim, não é mesmo? Como se fosse possível erradicar o passado por completo e recomeçar do zero, sem que nenhum traço do que fomos sobrasse para nos lembrar de algo, sem que isso fosse um longo trabalho de reformulação interior. 

O que deixamos para trás sempre é muito significativo e faz parte do nosso processo evolutivo. É a origem do momento presente. São indissolúveis: um é causa, o outro, consequência. Portanto, levamos conosco, onde quer que estivermos, o peso das nossas ações passadas. 

O problema acontece quando alguns não conseguem ver nos erros e desenganos as bases que nos fizeram optar por ações, atitudes e reflexões mais satisfatórias e harmoniosas. São pessoas que não conseguem perdoar a si mesmas e continuam construindo e erguendo, onde quer que estejam, uma cruz onde possam se auto punir, autosacrificar-se. Essas criaturas fazem grandes alterações em suas vidas, mas não alteram seus padrões mentais, o que as impede de evoluírem, não permitindo extraírem uma experiência positiva de qualquer desacerto, de qualquer erro cometido. 

Outras, entretanto, também carregam consigo onde quer que vão as experiências passadas, para delas se utilizarem como um referencial de seu próprio crescimento, em termos de conhecimento, ética, moral. A "cruz" não mais pesa sobre os ombros, dificultando e amargurando a caminhada, mas segue junto ao resto da bagagem, em meio a tudo aquilo que constitui sua história de vida. São as que sabem superar os obstáculos no caminho de um crescimento ético, moral, espiritual.

Então vemos a foto desse carro dourado, representando os nossos mais nobres pensamentos, a transportar sobre seu teto todas as dores e pecados do mundo, porém já redimidos.

Então a viagem torna-se realmente transformadora, pois não deixa para trás nada do que é ou foi importante pois podemos, a qualquer momento, nos utilizarmos dessas boas e más experiências e lições em caso de novas "turbulências" pelo caminho. Funciona como o estepe, o "macaco", a chave de roda e as demais ferramentas em ordem e em boas condições, além da caixa de primeiros socorros à mão. Estamos, então, prontos para fazermos continuarmos nossa viagem pela vida com maior segurança, conhecimento e habilidade.
Resta aproveitar a paisagem e confiar no sucesso da travessia.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

8 DE ESPADAS: Enrolado


Encontro um amigo e, quando pergunto como vai, ele responde com um "Enrolado, sabe como é...". Uma amiga me liga desmarcando o almoço combinado para hoje porque está "toda enrolada, com hóspedes em casa, filhos precisando de ajuda para as tarefas escolares, sem cabeça pra nada...". Um amigo de muito tempo, recém separado, liga para contar que está com a situação amorosa novamente "enrolada". Daí então me deparo com a foto acima e começo a rir, sozinho, substituindo mentalmente a figura atada ao novelo pelos meus interlocutores.

Quantas e quantas vezes vivemos situações em que parecemos estar completamente envolvidos por dificuldades em optar, contradições, pequenas ou grandes mentiras, acúmulo de assuntos pendentes, cobranças feitas por esposa, filhos, funcionários, chefes, amigos, clientes, etc? Creio que todos, em algum momento, tenham vivido esse sentimento de dificuldade em encontrar soluções razoáveis para os desafios que enfrentavam. 


O 8 DE ESPADAS é um bom retrato da expressão "estar enrolado", que bem define o grau de envolvimento em que a "vítima" se acha na situação, da maneira como ela se percebe de mãos e pés atados (e isso é outra expressão com o mesmo significado), impedida de retirar a venda da ignorância e da duvida, que a impedem de ver claramente o problema como um todo e suas partes constituintes. Assim sendo, tateia, às escuras, impedida de evoluir e agir. Sem ação, devido às cordas que lhe prendem os braços e as mãos, não há como desembaraçar-se e caminhar para um resultado satisfatório.

Enrolado está o rapaz que vai-se comprometendo cada vez mais com a namorada, fazendo-lhe promessas e, ao mesmo tempo, mortificado em ter que abandonar a tal liberdade da vida de solteiro. Enrolada está a pessoa que inventa mentiras "inocentes" para justificar erros que, ela bem sabe, estão sendo descobertos. Enrolado está aquele que comprometeu seu salário, economias e bom-senso gastando mais do que tinha condições, apenas contando com um golpe de sorte, um milagre que o salve. Enrolados nos sentimos, todos, quando perdemos a coragem, quando criamos fantasias mórbidas que nos fazem frágeis e temerosos de tudo e de todos, petrificados de terror diante da vida.


O melhor de tudo é reconhecer que essa situação não nos foi imposta, mas criadas por nós mesmos. Portanto o fio da meada que nos enrola está em nossas mãos, ou melhor, em nosso plano racional. Basta que deixemos o pânico de lado, olhemos a situação criteriosamente, da maneira mais objetiva e analítica possível, recuperemos a razão e o equilíbrio, e reorganizemos estratégias e ações efetivas que nos libertem da teia de enganos, fantasias e confusões que criamos.
Assim, "desenrolados", poderemos corajosamente enfrentar e resolver, com precisão, as pendências e evoluirmos, em busca de melhores dias.


(Obs.: Em algumas regiões deste país, o termo "agarrado" traduz perfeitamente o "enrolado". É a mesma coisa: estar preso dentro de uma situação provocada, na maioria das vezes, por si mesmo.)

terça-feira, 20 de maio de 2014

4 DE ESPADAS: Trégua, ou, a pausa que regenera




 “A pausa que refresca”. Esse foi um dos mais famosos slogans de uma marca de refrigerante que dominou o mundo através de uma maciça, criativa, popular, e sem data para terminar, campanha publicitária. Enfim, há que se reconhecer que uma simples receita de um “tônico” tenha evoluído para uma das marcas mais valiosas e, como bebida, tenha atingido e agradado a tantos, em todas as regiões do globo que, indiferentes às críticas e advertências de médicos e nutricionistas, continuam a consumi-la.

Mas o que mais chama a atenção na publicidade acima é a frase que a acompanha e justifica a imagem que a ilustra. A dona de casa, entre tantos afazeres domésticos, concede-se alguns momentos de distanciamento de suas obrigações e dedica-se a saborear... o dia, o tempo que passa, as imagens que surgem em sua mente, a satisfação de estar ali, presente, vivendo aquele momento sem expectativas ou ansiedades. É um momento de recuperação, de restauro das energias. Hora de recarregar as baterias. Um intervalo entre uma e outra atividades.

O soldado em sua armadura, deitado sobre a laje fria no interior de um santuário (repare o vitral da janela), imagem do Arcano 4 DE ESPADAS do tarot, também parece estar gozando de uma “pausa refrescante”. Deitado sobre uma espada, mas com outras 3 pendentes sobre si, em muito se assemelha à mulher da figura no alto desta página: dando um tempo entre tarefas a serem cumpridas, lutas a serem travadas, obstáculos a serem vencidos, planos a serem pensados, problemas a serem resolvidos, assuntos a serem discutidos, decisões a serem tomadas. Ele, definitivamente, está "recarregando as baterias".

Ainda que ele não faça uso do estimulante e gaseificado frescor do refrigerante, ele busca o tranquilo e silencioso ambiente do claustro para isolar-se, momentaneamente, e repor as energias que lhe serão necessárias para solucionar todas as pendências. Cada um à sua maneira, encontra uma forma de desestressar-se no transcorrer da execução de suas obrigações e compromissos. Inúmeras vezes nos vemos “bombardeados” com uma sucessão de problemas a serem resolvidos, de atividades a serem cumpridas, e acabamos por resolver tudo às custas de muito esforço e sacrifício, terminando esgotados e sem nenhuma satisfação com todo o processo. Noutras, nos atrapalhamos na execução dos mesmos e não os completamos ou, pior, os realizamos mal, de maneira errônea, devido à impossibilidade de nos concentrarmos num só a cada vez. Em todos os casos, saímos decepcionados e vencidos, com uma sensação de amarga sensação de incapacidade.

Entretanto, o que a carta do 4 DE ESPADAS do tarot simboliza é a busca de uma estabilidade pessoal, de um equilíbrio, de uma harmonia interior. O guerreiro está deitado, perfeitamente apoiado à pedra que o suporta. Sua posição é formal, equilibrada, porém tranquila. A espada que está sob seu corpo pode estar sugerindo que, entre os problemas a serem pensados e resolvidos, alguns já foram solucionados, enquanto que outros aguardam, seu retorno à ativa, para serem avaliados e resolvidos e esses pendem ameaçadoramente sobre a sua cabeça.

Saber o momento de fazer uma trégua na luta diária, consciente que tudo poderá ser melhor esclarecido, analisado e executado se estivermos no melhor do nosso desempenho físico, mental e emocional, é um bom pressuposto para ações vitoriosas.

Há aqueles que preferem parar tudo o que estão fazendo e sairem para uma breve caminhada; outros relaxam por alguns minutos ouvindo música; alguns leem um poema um capítulo de um livro, folheiam uma revista; há quem prefira meditar. Qualquer que seja o método usado, o importante é aproveitar esses momentos para desviar a atenção do assunto em questão e procurar reencontrar o equilíbrio perdido. Para “cabeça quente” nada melhor que uma pausa refrescante, regeneradora. Portanto, se um refrigerante, um suco ou uma água de coco geladinha ajuda... Por que não?

quinta-feira, 15 de maio de 2014

7 DE ESPADAS: O TIRO PELA CULATRA


Uma conhecida companhia italiana produtora de máquinas para fazer café expresso, destaca-se pela qualidade e criatividade das suas campanhas publicitárias. Há algum tempo lançaram uma em que associavam seus produtos aos heróis das histórias em quadrinhos. A ilustração acima, tirada de uma das suas publicidades, traz a Mulher-Gato, das histórias do Batman, surpreendida por um... gato! E, pela atitude de ambos, a surpresa, além de naturalmente inesperada, é bastante ameaçadora.

Ela, que certamente havia invadido o território do felino, busca esconder-se, até encontrar uma saída para a situação, usando uma xícara de fumegante café como escudo. O gato verdadeiro, por sua vez, tem como vantagem o tamanho e o fato de ter conseguido surpreender a presa antes que ela o percebesse e fugisse.

A situação toda transpira à tensão, constrangimento, expectativa, argúcia e espanto. A Mulher-Gato parece sobressaltada com a presença do animal. Ele, por sua vez, mantém a postura de ataque, o olhar concentrado e quase hipnótico e uma falsa serenidade, tão própria de quem está acostumado a caçar, utilizando-se de armadilhas e estratégias para conseguir seu intento.

No tarot, o 7 DE ESPADAS pintado pela ilustradora inglesa Pamela Smith remete ao mesmo conceito imagético que a imagem acima pretende retratar: um indivíduo bastante estranho, com uma atitude ladina, carrega 5 espadas, removidas, provavelmente, de uma tenda. Sua intenção parece ser a de desarmar o inimigo, entretanto seu plano parece fadado ao insucesso, visto não ter conseguido carregar todas as espadas. Pior é que duas delas, das deixadas para trás, poderá ser usada pelo seu oponente, por aquele que foi tapeado, iludido, roubado, para ferir mortalmente o incompetente ladrão.

O que chama a atenção nas duas imagens que ilustram este texto, e cuja realização as separa por um século, é o fato que, tanto ao ladrão de espadas quanto à Mulher -Gato, faltaram disciplina e planejamento. A atitude de ambos é claramente amadorística, desorganizada, deixando-os desprevenidos, sem um plano-B, sem um contra-ataque preparado. Ambos foram impetuosos e inconsequentes. 
O 7 DE ESPADAS pode simbolizar uma forma de esperteza que costuma resultar num "tiro pela culatra". Ao invés de usar o cérebro (naipe de Espadas) para resolver determinada situação, a pessoa opta pela "lei do menor esforço", agindo intempestivamente, desprogramada, contentando-se com os sofríveis resultados das tentativas, ao invés de investir na solidez e garantia da obtenção da totalidade do produto final. 
A atitude da figura na carta do tarot é bastante suspeita, favorecendo uma imagem de corrupção, de espionagem, mentira, intriga, que pode ser utilizado para justificar a simbologia desse arcano menor. De qualquer forma, fica claro que o sucesso da empreitada é, tão somente, parcial pois ele não consegue se apossar de tudo o que pretendia.

Na fotografia maior, nem mesmo a esperteza, habilidade, e destreza da Mulher-Gato a fazem imune ao plano descuidado que utilizou para surrupiar o que lhe interessava. Ainda que busque ocultar-se atrás da xícara, sua tática não resultou em bons resultados e, muito provavelmente, cairá na armadilha que ela mesma armou.

Num outro ponto de vista, provavelmente o do gato e das pessoas que tiveram suas espadas roubadas, o 7 DE ESPADAS nos lembra a não permitirmos que se obtenham vantagens injustas sobre nós. Alerta para que se cuide daquilo que se possui, de manter-se firme em suas convicções e não fazer aquilo no que não se acredita. 
O que, entretanto, não se deve deixar de considerar e refletir é que a desconfiança e a manutenção de segredos, quando exagerada, pode conduzir muito mais ao isolamento do que à um possível ideal de segurança. Lembre-se: precaver-se não significa tornar-se paranoico.

terça-feira, 13 de maio de 2014

10 DE PAUS: Opressão consentida


Tem gente que se testa o tempo todo. Vai acrescentando, uma a uma, mais obrigações às muitas outras que acumula, só para se provar poderosa. É o Complexo de Super-Homem, de quem acredita que tudo pode, como se houvesse uma necessidade intima de provar-se competente, imbatível, indispensável, de ser a única e confiável solução para os problemas de todos os demais.

Costuma justificar-se dizendo que não tem paciência para esperar que os demais cumpram suas respectivas partes, portanto assume toda a responsabilidade sobre o que há para ser feito. Nada o impedirá de perseguir até o fim seus objetivos, nem mesmo o fato de cumpri-los, muitas vezes, de maneira maniqueísta, sem buscar o prazer na execução, mas satisfazendo-se em cumprir o "dever" auto atribuído.



Nesta centenária imagem do 10 DE PAUS um homem semi-curvado atravessa o campo, dirigindo-se à umas edificações, carregando um enorme feixe de galhos. A alusão ao peso e ao desconforto dos pedaços de madeira que lhe impedem a visão do caminho, além da forma desajeitada que os galhos estão arrumados em seus braços, sugerem que, muito provavelmente, teria sido mais sábio ter carregado feixes menores e feito mais viagens, ao invés de sobrecarregar-se tentando fazer tudo de uma só vez.

Esse mesmo espírito é semelhante ao que vemos na foto ao alto, onde o homem está praticamente impedido de dirigir seu carro, soterrado por uma impossível quantidade de caixas. Ele também  demonstra não estar usando o melhor de suas habilidades, nem obtendo algum tipo de satisfação na execução de tão absurda tarefa. Na verdade o seu olhar é de uma pessoa oprimida, sem liberdade de manobrar sua condução. Falta-lhe criatividade e flexibilidade, visão do 
conjunto e consciência da importância das partes.

Do fogo criativo e regenerador do naipe de Paus, só restou a demonstração de força, o cabo-de-guerra que o condutor trava consigo mesmo. "Vou provar que eu sou mais forte do que eles supõem", seu olhar transparece, enquanto que ele se afoga sob o peso dos desafios autoimpostos.

Tolice.

Não é a quantidade de projetos, de ideias, de possibilidades, que definirão a capacidade de alguém, mas a qualidade do resultado e o prazer descoberto e vivido a cada etapa de concretização de cada um dos seus desejos. Fogo é pura paixão incontida, é desejo não domado, é a força vital fluindo e trazendo realização. É liberdade, claridade, luz e calor. Não deveria ser oprimido, aprisionado, limitado, contido.

Os desejos são muitos, as vontades também; o leque de interesses é amplo e as possibilidades, inúmeras. Por que, então, não vive-las uma a uma, experimentando o prazer único que cada uma proporciona em sua realização? Por que, ao invés de buscar alegremente o calor produzido pela fogueira que ilumina a noite escura, importar-se e ocupar-se apenas da tarefa de carregar a madeira?

sexta-feira, 9 de maio de 2014

A TORRE: uma faxina necessária



Creio ser impossível olhar com absoluta indiferença para essa foto. O indivíduo, decapitado, aguarda, até que tranquilamente, enquanto sua cabeça é literalmente agitada dentro da máquina de lavar roupas. Seu rosto, num ricto de dor e desespero, deixa claro que, ainda que o corpo não demonstre, o que vai pela sua cabeça é perturbador e, sobretudo, que o processo de higienização não é dos mais confortáveis.
Entre outras possibilidades associativas, essa foto, a TORRE, Arcano XVI do Tarot é a que mais se destaca.
Basta olharmos para a maioria das interpretações artísticas desse Arcano para vermos que o raio divino, o relâmpago da consciência, atinge o topo da torre. E, quase sempre, há uma coroa encimando essa construção que se despedaça, do alto, em consequência de um evento alheio ao seu controle ou à sua vontade. Afinal, quem controla os desígnios divinos?
Se fizermos um paralelo entre a figura humana e a TORRE, veremos que sua posição também é ereta, altiva. Destaca-se da paisagem que a cerca e elevando-se, o mais possível em direção aos céus, à morada dos deuses, ao Olimpo, o Éden onde gostaríamos de viver, semideuses que acreditamos ser. Em nossa volúpia pelo poder, em nossa ambição em sermos donos e senhores de tudo e de todos e, até, dos nossos destinos, construímos um ego de desmedidas proporções. Tão fascinados estamos com nossa estatura e o quanto ela nos permitirá alcançar, que chegamos a nos esquecer da base, do terreno em que nos apoiamos, da fragilidade dos elementos em que nos apoiamos para nos destacarmos dos demais.


Como o Dr. Frankenstein, do romance da Mary Shelley, não sabemos, ao final, o que fazer com o Monstro que criamos, remendando pedaços nem sempre compatíveis e, muito menos, harmoniosos. Nos recriamos, numa reles e ridícula imitação do Criador, nos acreditando os novos Prometeus, capazes de insuflarmos uma pretensa nova vida em nossos pequenos corpos.
Nada permanece inteiro se não for construído com cuidado, técnica, atenção ao detalhe e, sobretudo, seguindo um plano bem desenhado e usando material de primeira. Lembram-se da história dos 3 Porquinhos e o Lobo Mau? O único que não teve sua casa destruída pelo sopro do lobo foi aquele que a erigiu com tijolos, madeira, argamassa e telhas. Ou seja, ele não optou por um simples e eventual abrigo, feito às pressas e descuidadamente, como os seus irmãos, que pensaram apenas no imediato, na situação presente. Ele, Prático (esse era o seu nome, e não é por acaso...), sabia que o lobo era mais forte, mais ladino, mais perigoso e que não seria uma única vez que esse embate entre eles se travaria. Construiu, conscientemente, pensando no futuro, na durabilidade, na relação custo-benefício que isso lhe acarretaria a longo prazo. E, portanto, foi o único que venceu as ameaças que, tão inteligentemente, soube enfrentar. 


A TORRE sendo destruída por um fenômeno que vem do mais alto, bem mais alto do que ela, simboliza um momento de verdadeira libertação dos indivíduos que estão emparedados por aquelas paredes, alheios à realidade que os cerca, protegidos apenas por suas fantasiosas pretensões, sua elevada autoestima, seu desconforto em reconhecer-se parte daquilo do qual ele tenta se isolar. A catástrofe o derruba do alto de seu castelo de areia e o obriga a colocar os pés no chão, na realidade.
Adeus delírios de grandeza. Adeus complexo de superioridade. Adeus Monstro feito de retalhos e sem alma. É chegado o momento de se olhar de frente para um espelho e perguntar-se "Quem sou eu, de verdade?"
Difícil? Doloroso? Assustador? Com certeza. Mas necessário. Deve ser o mesmo que a roupa suja, com traços de perfumes caríssimos, restos de alimentos sofisticados, dos elogios recebidos, das grifes que representam o status de seu dono e o suor de festas intermináveis pensaria se possível isso fosse, ao ser colocadas numa máquina de lavar. Mas de lá elas sairão renovadas, livres de todos esses pretensos atributos, novamente colocadas diante das funções que melhor exercem e onde se reconhecem: uma camisa é só uma camisa, e por aí adiante.



Esse homem da foto aguarda essa mesma faxina. 
 Aguarda ter todos os andaimes e muletas que sustentam um indivíduo que não é mais ele, mas um ser irreconhecível, uma verdadeira colagem de falsos atributos e de absurdas fantasias, serem desconstruidos, lavados num processo de limpeza forçado, ao qual talvez tenha se recusado submeter. Muita agitação, muita trituração, muito sabão e água limpa serão necessários para remover as manchas do seu conhecido complexo de inferioridade, do medo que lhe descubram a verdadeira estatura, da sua eterna busca em "ter" porque não sabe "ser.
Mas ao final do processo, ele, "novo em folha", estará pronto para recomeçar. Às vezes do zero. Às vezes, com alguma sabedoria adquirida. Mas, com certeza, irá reerguer-se, aos poucos, procurando evitar repetir os mesmos erros. 

Que desta vez o faça sem querer surpreender, agradar ou humilhar o vizinho, mas para que sua nova estrutura abrigue um indivíduo melhorado: ele mesmo.

terça-feira, 6 de maio de 2014

TEMPERANÇA: o Arcano XIV e o conceito de Frugalidade



Estava folheando um livro quando essa imagem surreal capturou de tal forma minha atenção que, depois de observá-la, decidi usar como um exemplo de similaridade imagética ao conceito do Arcano XIV do Tarot. 

Vivemos num sistema em que é muito difícil pensar na ideia de que menos é mais. Não apenas dentro de um mero conceito estilístico, decorativo, supostamente "fashion". Estamos cercados de tantos atrativos, de tantas tentações, de um sem-número de apelos e possibilidades, vivendo dentro de um grande, global shopping center, que fica muito complicado, senão impossível, nos contentarmos com apenas e tão somente o essencial.
Somos vitimas de uma febre consumista que nos leva a acreditar que nunca seremos felizes enquanto não abarrotarmos muitos cabides e gavetas com peças de vestuário. Óculos, sapatos, bolsas, precisamos de muitos, para acompanharmos a moda do dia e combinarmos com nossos diferentes estados de humor. Vidros e mais vidros de perfumes, potes de cremes para todas as partes do corpo, shampoos feitos de óleos, sementes e ervas exóticas em combinações só imaginadas por bruxas de histórias infantis, poluem nossos banheiros. Enquanto isso, não sabemos mais onde guardar ou descartar TVs, telefones, tocadores de DVDs e relógios que, há poucos meses, eram a última e definitiva revolução da eletrônica.


 Gostamos de excessos. Colecionamos coisas, pessoas, contatos, objetos, na vã suposição que eles um dia nos resgatarão de alguma terrível situação.
Daí então, olho para essa fantasia fotográfica, ou ela olha, debochando, para mim. Só sei que aquilo que a mim ela representa é exatamente o estilo de vida que eu quero ter: descomplicado.
Na angelical presença que estampa a carta da TEMPERANÇA, Arcano XIV do tarot, o conceito a ser compreendido é exatamente esse: a moderação. A alegria encontrada nos pequenos prazeres da vida. 

É saber diferenciar o que realmente necessitamos daquilo que apenas queremos ter para nos exibir, nos sentir poderosos, nos distrairmos, como risíveis substitutos de outras frustrações. Isso feito e compreendido, é necessário que nos ajustemos às nossas condições reais, evitando o entusiasmo, impulsos e as paixões de última hora, e privilegiando o autocontrole. Nem oito, nem oitocentos, sem privar-se daquilo que nos é fundamental, mas também sem cometer desatinos.

Temperar é, antes de mais nada, saber dosar. Um pouco disso, combinando com um pouco mais daquilo, misturado àquilo outro, sem exageros. Ou seja, ser sóbrio e equilibrado em tudo na vida. Parece difícil, não é mesmo? E é realmente. Por isso mesmo, quando o Waite encomendou uma carta que representasse a busca do equilíbrio, físico, mental, espiritual e emocional, sua ilustradora, a artista Pamela Smith usou exclusivamente a figura de um anjo. A imagem de alguém que não necessita de praticamente nada para existir... e bem!


 O anagrama da palavra TEMPERANÇA é PARCAMENTE, que significa "muito pouco, quase nada". Isso, evidentemente não é a pregação da miséria e o fim da evolução dos produtos ou do comércio dos mesmos. Nem é um descabido manifesto pelo retorno às cavernas, ou a uma existência de absoluto ascetismo, e o completo abandono de tudo aquilo que nos facilita a vida. Isso também seria ausência de sensatez, de lógica e de saber conciliar as coisas, ou seja, ausência dessa mesma TEMPERANÇA.
Frugalidade não é abstinência ou jejum, mas certamente é o oposto de comer uma caixa de bombons, acompanhados de um litro de refrigerante. É não cometer excessos sem, entretanto, deixar de sentir-se bem, satisfeito e feliz.


Talvez seja exatamente essa ideia, que me parece tão explicita na imagem que motivou este comentário. Repare que a mulher que possui tudo o que necessita: o alimento que a nutre, as vestes que a cobrem, o abrigo para descansar em paz. Ou seja, os necessários recursos e o potencial para se desenvolver, a liberdade de desfrutar seus espaços e domínios, o contentamento e a alegria de bastar-se e ao mesmo tempo comungar com todo o mais que a cerca, além disso, sentir-se protegida por uma energia, como numa redoma, invisível aos olhos, mas de elevado poder e efeito. Há, sem dúvida, um entendimento e uma reciprocidade entre ela e o Universo.
Isso, em essência, é sentir-se ajustado. Isso, é TEMPERANÇA.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

ÁS DE PAUS: as chamas da Criatividade


Quando penso em criatividade, mas criatividade no seu mais puro sentido, aquele que fala em “dar vida” a algo que, de alguma maneira, necessita que alguém “canalize”, imagino algo semelhante à imagem acima. 
Tudo bem que o Bob Dylan seja um reconhecido artista e, portanto, muito fácil associar qualquer imagem dele (ou de qualquer outro artista) ao tema criatividade. Mas o que sempre mais me chamou a atenção nesse pôster desenhado pelo célebre artista gráfico norte-americano Milton Glaser, que também foi a capa de um disco e de um CD dele, é o fato que os cabelos (ou a parte superior do crâneo) parecem chamas, num crepitar alucinógeno.

Penso que, graficamente, o processo criativo, essa fagulha que provoca incêndios transformadores, que coze a argila que permite as formas e que insufla a vida em tudo que toca, não poderia ser melhor representado. Se repararmos bem, não existe um padrão nas formas sinuosas, nem na combinação cromática. Tudo está em movimento. Nada é igual e nem se repete. 

Ainda não existem uma forma ou uma idéia únicas, mas há um pulsar de vida que promete novas maravilhas. Vontade, desejo, coragem de assumir riscos, ousadia, tudo se agita numa dança de acasalamento que acabará por gerar novos frutos. 

 
 Quando observamos algumas representações do Budha encontramos, no ponto mais elevado de sua cabeça o chamado Lótus de Mil Pétalas, aquele sinal que simboliza a sua conexão com o Universo, por onde a inspiração penetra seu ser, onde a Iluminação acontece. Percebo, ainda que de uma forma de ilustrar típica dos anos 70 e 80, a mesma intenção, do artista gráfico, em retratar esse homem cujas letras e músicas ajudaram a expressar os anseios de uma geração. 


 No tarot, o ÁS DE PAUS, como todos os outros 3 Ases, representam promessas, possibilidades, algo sendo concebido. Paus, sendo a transcrição gráfica do elemento Fogo,
fala de energia. Daquela energia que nos faz sentir motivados, que nos incita a seguir adiante, que nos faz explorar novos recursos, que nos faz acreditar, ter fé e a experienciar algo que está além do material, racional ou do emocional.

Paus é a varinha de condão das fadas, que todos os desejos nos concedem; Paus é a colher da feiticeira, a agitar intenções em seu caldeirão que cozinha realidades. Paus é a vassoura das bruxas, que as permitem desligar-se da realidade de voar num plano mais elevado. Paus é também o cabo do instrumento que nos permite vencer adversidades, explorar recursos e construir novas situações. Paus é o bastão do Mago, servindo-lhe de “antena” e conectando céu e terra. Paus é também o bastão do jogador que, numa tacada, impulsiona a bola e faz o jogo acontecer.
 E o que é Criatividade, a não ser isso tudo? 
Sejamos, então, a bola, impulsionada em seu vôo, pelo poder do Universo.